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domingo, 4 de dezembro de 2011

Alterações metabólicas no câncer e a caquexia


O câncer gera diversas modificações no metabolismo das proteínas, lipídios e carboidratos. Infelizmente, muitas dessas modificações trazem problemas para o paciente, como a anorexia e caquexia. Abaixo será explicado sobre as mudanças no metabolismo causadas pelo câncer e a indução da caquexia.


A glicólise é a principal via para utilização da glicose na célula e pode utilizar o oxigênio quando estiver presente nela através da cadeia respiratória na mitocôndria ou pode funcionar na ausência dele ( figura 1).
 Figura 1- Glicólise

As células normais utilizam a glicose preferencialmente na via oxidativa (ciclo do ácido cítrico) para obtenção de energia, já nas tumorais a produção de ATP pela glicose é baixa, elas preferem a via metabólica não oxidativa, o ciclo das pentoses, pois elas utilizam preferencialmente a glicose para processos anabólicos, como síntese de nucleotídeos ribose, que são necessários para produção de DNA e RNA (WAITZBERG, D.; NARDI, L.; RAVACCI, G.; TORRINHAS, R. Sindrome da Anorexia e Caquexia em câncer).

As células tumorais possuem uma necessidade muito grande por glicose, já que possuem alta taxa de divisão celular. E geralmente não se adaptam muito bem ao uso de ácidos graxos e corpos cetônicos para a geração de energia. Células tumorais tanto podem gerar energia na presença de oxigênio, como na sua ausência. Nelas ocorre mais produção de ATP pela transformação de glicose a ácido lático, mesmo na presença suficiente de oxigênio, que normalmente geraria piruvato. É muito comum células tumorais em situações de hipóxia, por isso o frequente uso da glicólise anaeróbica. A falta de oxigênio induz a um aumento do fator induzido por hipóxia (HIF-1), que é um dos responsáveis pelo aumento de genes reguladores do transporte de glicose e enzimas da glicólise e é graças a isso que a maioria dos tumores consegue produzir ATP.

Em pacientes com câncer o uso da glicose pelo tecido muscular é reduzido, já que o tumor esta consumindo muita glicose pela via anabólica. Uma consequência disso é a liberação de uma quantidade maior de lactato, que é fornecido para a gliconeogênese hepática. Como o sangue fica mais ácido, ocorre a estimulação do ciclo de Cori, que consiste na conversão de glicose em lactato no musculo, seguida da conversão do lactato em glicose no fígado com gasto de energia do paciente com câncer (figura 2). Essa glicose vai alimentar o tumor. Infelizmente, quanto maior o nível de lactato encontrado em alguns cânceres, como em carcinoma de células escamosas do útero, maior o risco para metástase.  

Figura 2- Ciclo de Cori

Metabolismo lipídico

Algumas das mudanças que ocorrem no metabolismo lipídico no câncer são o estímulo a lipólise e aumento da oxidação de ácidos graxos e glicerol que resultam em quadros de caquexia (intensa degradação do tecido adiposo e protéico) e hiperlipidemia. Por causa da lipólise aumenta a quantidade de ácidos graxos livres, glicerol, VLDL, HDL. As alterações no tecido adiposo ocorrem ou por alterações induzidas por citocinas ou por fatores produzidos pelo tumor.

Uma das citocinas liberadas pelo tumor é a TNF-alfa(fator de necrose tumoral alfa). Ele estimula a lipólise, inibe a liberação de insulina e promove resistência a insulina. Outra substancia produzida pela célula tumoral é o FML(fator de mobilização de lipídios). O FML estimula também a lipólise através da enzima adenilato ciclase por meio de um processo que gasta energia e que também aumenta a quantidade de ácidos graxos livre no sangue, levando a diminuição de tecido adiposo.

A célula tumoral normalmente possui as enzimas do metabolismo dos ácidos graxos, por isso elas conseguem aumentar o seu crescimento controlando a liberação de energia pela beta oxidação na mitocôndria. Entretanto, a célula tumoral prioriza a utilização de glicose, principalmente em tumores de crescimento rápido, por isso os ácidos graxos provenientes da degradação do tecido adiposo são transformados em glicose pela gliconeogênese hepática para produção de ATP.


É comum em pacientes com câncer a perda de massa muscular, ou seja, perda de proteínas. A interleucina-1 ativa a proteólise no músculo esquelético. Com a degradação das proteínas, aminoácidos são liberados e principalmente a alanina e glutamina são captados pelo fígado para iniciar ou regular a síntese de proteínas de fase aguda e gliconeogênese. Para ocorrer a degradação de proteínas é necessário um sinal de um proteína denominada ubiquitina, num processo chamado ubiquitinação.

As alterações no metabolismo podem gerar uma síndrome muito comum em pacientes com câncer, a caquexia ( figura 3). Ela é caracterizada pela perda de peso e de massa muscular e gordurosa, manifestada na forma de anorexia, fraqueza, hipoalbuminemia, hipoglicemia, lactacidemia, hiperlipidemia e intolerância a glicose. A perda de apetite no câncer varia de intensidade conforme o local do tumor. É muito comum em tumores de pâncreas, pulmão e trato gastrointestinal.

Figura 3-  Alterações metabólicas na geração da caquexia
O hipermetabolismo pode ser uma das causas da perda de peso na caquexia, já que as células tumorais captam muito mais glicose que as células normais, tendo que utilizar diversas vias, como lipólise e proteólise, para conseguir maiores quantidades de glicose. Por causa do tumor pode haver liberação de citocinas que podem levar a caquexia. Além disso, os substratos energéticos e protéicos são priorizados para a proliferação celular, que também pode levar ao seu desenvolvimento.



Alterações metabólicas que ocorrem na caquexia.




 

Característica

Caquexia

Glicose

Elevação

Corpos cetônicos

Redução

Síntese protéica de fase aguda

Elevação

Síntese protéica muscular

Redução

Proteólise de proteína muscular

Elevação

Lipogênese

Redução

Lipólise

Elevação

Gasto energético/massa corpórea magra

Elevação




Existem compostos tumorais induzidos por citocinas que são capazes de alterar o metabolismo. Por exemplo, existem compostos capazes de induzir a lipólise, são os chamados fatores mobilizadores de lipídeos (LMF), que por meio da estimulação da enzima adenilato ciclase e do aumento da atividade do receptor beta adrenérgico induzem a elevada atividade cardiovascular. Isso explica a diminuição de gordura corporal e aumento do gasto energético na caquexia. Já para o catabolismo do músculo esquelético, que também leva a caquexia, a responsável é a proteína chamada de fator de indução de proteólise (PIF). Ela atua estimulando a via ubiquitina-proteassoma nas células musculares, o qual é um processo que acelera a proteólise gastando muita energia.

A leptina é um peptídeo secretado pelo tecido adiposo responsável juntamente com o hipotálamo por inibir a ingestão de alimentos e aumentar o gasto energético ativando mecanismos de catabolismo. Portanto, baixos níveis de leptina estimulam o apetite e altos níveis reduzem o apetite. No câncer ocorre o aumento de leptina que gera a inibição da ingestão de alimentos. Entretanto, existem leptídeos que podem estimular o apetite, por exemplo, o neuropeptídeo-Y (NPY). Ele é secretado pelo hipotálamo e além da sua função principal ele estimula a liberação de insulina, galanina, hormônio concentrador de melanina(MCH) e outros. O NPY estimula a lipogênese, aumentando a reserva de gordura. Em células tumorais sua concentração esta diminuída, não ocorrendo assim, esses efeitos. Em oposição ao NPY estão os hormônios melanocortinas: hormônio adenocorticotrofico(ACTH) e o hormônio melanócito estimulatorio(MSH). Eles promovem a inibição do apetite e regulação da temperatura corporal. Em pacientes com câncer, as concentrações desses hormônios estão desreguladas, estando aumentadas. O último regulador de apetite que será apresentado é a grelina. Ela estimula a secreção de GH, importante regulador do apetite e do peso corporal. Em pacientes com a caquexia do câncer a grelina esta diminuída, gerando o sintoma mais comum, a anorexia.



REFEÊNCIAS

 
WAITZBERG, D.; NARDI, L.; RAVACCI, G.; TORRINHAS, R. Sindrome da Anorexia e Caquexia em câncer: Abordagem Terapêutica. In:_____Dieta, Nutrição e Câncer. 1.ed. São Paulo: Editora Atheneu,
2006. p. 334-352

WAITZBERG, D.; TORRINHAS, R.; JESUS, R.; ALVES, C. Alterações metabólicas no Câncer. In:_____Dieta, Nutrição e Câncer. 1.ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2006. p. 277-288

HARRIS, R; CRABB, D. Inter-relações metabólicas. Manual de Bioquímica com Correlações Médicas. 6.ed. Editora Blücher. p. 830-869.

Postado por: Lara Cristina Ribeiro Pereira






2 comentários:

  1. Lara Cristina Ribeiro li seu artigo sobre caquexia e queria te perguntar: Como poderia ser quebrado esse ciclo da caquexia para obtenção da fome?

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  2. Lara Cristina Ribeiro li seu artigo sobre caquexia e queria te perguntar: Como poderia ser quebrado esse ciclo da caquexia para obtenção da fome?

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